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José foi indicado para uma vaga em Singapura e resolve não ir. Por que será?


Por Reinaldo Bulgarelli.


Vou falar de um tema por meio de uma história inventada, mas bastante próxima do que acontece em muitas empresas. É um convite para você pensar no assunto, analisar posturas dos personagens, da empresa e as suas próprias. Como agiria? O que diria? O que fez ou fará quando estiver diante de situação semelhante?


José trabalha tanto e tão bem que não foi estranho ter se tornado um importante gestor na empresa. Os anos se passaram e o trabalho de José continuou sendo elogiado. Ele viajava constantemente para vários países na Europa e para os Estados Unidos realizando reuniões importantes e apresentações sobre os temas que dominava muito bem na empresa.


Rosa, sua gestora e pessoa muito próxima dentro da empresa, no entanto, comentava que não entendia porque José jamais assumira para ela sua homossexualidade. Ela se ressentia disso porque se considerava sua amiga e estavam numa empresa multinacional que dizia respeitar todas as pessoas. Não sabia se era porque ele era mexicano, se era um problema cultural, familiar, a idade, algum problema passado ou apenas uma escolha. Ela, de todo jeito, não se conformava com isso.


Um dia, o presidente chamou Rosa para dizer que José estava sendo cogitado para uma vaga em Singapura. Em todo o mundo, ele foi avaliado como o mais adequado para a vaga e a indicação veio do presidente global da empresa. Seria uma promoção e não se tinha uma definição de quanto tempo passaria no país. Certamente, com seu bom desempenho, seria um novo passo importante na carreira de José dentro da multinacional. Pediu que Rosa comunicasse a José a intenção da empresa e que esperavam que ele aceitasse imediatamente.


Rosa estava radiante. Sabia que perderia um excelente profissional, mas desejava sucesso ao colega. Ela mesma já tinha morado por muito anos em Singapura e sabia que seria uma ótima oportunidade para sua carreira. Chamou José para a conversa e surpreendeu-se com sua reação.


José ficou muito feliz em saber da avaliação que a empresa fazia dele, mas ao mesmo tempo ficou atordoado e não sabia mais o que dizer para Rosa. Depois de muito falar sobre as vantagens do cargo, sem entender porque José hesitava tanto, quis saber se era alguma motivação pessoal. José relutou muito para falar, negou e finalmente, com muito sacrifício e chorando, disse que vivia com seu companheiro há mais de vinte anos e que não teria como mudar-se para Singapura.


Passado o choque, misto de raiva e alívio por José finalmente ter falado de sua vida pessoal, Rosa continuou a conversa incluindo essa informação do casamento nas ponderações sobre a mudança. Singapura é um dos países mais modernos do mundo, com um dos mais altos índices de desenvolvimento humano, muitas multinacionais e uma vida social agitada para os estrangeiros. Além disso, a empresa cuidaria da mudança e do visto para seu marido, bem como poderiam analisar a possibilidade de emprego para ele no país.


José, então, a lembrou que Singapura não é um país amigável para homossexuais. Na verdade, é até mesmo hostil e, mesmo com a empresa sendo tão aberta e respeitosa, não seria possível viver como casal naquele país. Poderiam ser denunciados e, mesmo sendo muito fechados sobre o assunto, até mesmo para com pessoas próximas e da família, queriam viver como um casal. Apenas rejeitavam falar sobre o assunto com as pessoas, mas vinte e cinco anos de casamento não poderiam ser negados, disfarçados, como se fossem começar tudo de novo. Não iriam passar despercebidos no bairro, na cidade e mesmo no trabalho.


Com a mudança e as providências que a empresa teria que tomar em relação a seu marido, sua opção de não falar da vida pessoal estaria comprometida. No México ou no Brasil, jamais quisera ter acesso aos benefícios que a empresa oferecia, igualando direitos para casais do mesmo sexo. Era só para não saberem de algo que ele entendia ser muito pessoal.


José pediu para que Rosa informasse sua decisão de não ser transferido e implorou para que não falasse do verdadeiro motivo, apenas que deseja muito ficar no Brasil no momento e analisar possibilidades de transferência mais para a frente.

Rosa ficou com um problema. Sabia que a negativa seria mal vista na empresa e a carreira de José estaria em risco. Apesar de saber do verdadeiro motivo e dar razão para José em relação a Singapura, não estava gostando de ter que mentir ou ser omissa sobre isso na conversa com o presidente.


Ficou dividida entre mentir ou falar a verdade, reunir a liderança para verificar o quanto estavam sendo abertos mesmo em relação ao tema e discutir um posicionamento sobre países hostis aos colaboradores LGBT. Eram muitos temas em sua cabeça e decidiu, por fim, compartilhar o motivo verdadeiro com o presidente, pedindo que nada dissesse para José. O presidente, por sua vez, falou do motivo para o presidente global, também solicitando segredo.


Alguns dias depois, Rosa chamou José para nova conversa. Disse que tinha pensado muito no assunto e desabafou sua frustração por José jamais ter lhe falado sobre algo tão importante em sua vida. Também disse que seu silêncio não estava ajudando a empresa a ser um lugar melhor para outras pessoas LGBT trabalharem. Estava frustrada também com a empresa porque soube que outro profissional já havia sido convidado para a vaga e nenhuma palavra, ação ou medida havia sido tomada em relação a Singapura e outros países onde a homossexualidade é criminalizada.


Ela disse que esperava que a empresa se posicionasse ou, no mínimo, definisse uma estratégia para lidar com a presença em países com valores, culturas e leis contrárias aos valores e políticas globais que possuíam. Disse que sua visão de país moderno, empresa moderna, princípios e políticas modernas haviam caído por terra.


Rosa saiu da empresa uns anos depois disso. Foi para uma posição semelhante à que ocupava e disse ao presidente que a história do José, entre tantas outras, teria sido a maior razão de estar desmotivada e não acreditar mais no que estava fazendo. Disse que havia pesquisado o tema e levantado várias outras situações na qual a empresa perdera talentos por não se posicionar contra a homofobia e a transfobia. Por outro lado, disse que não se sentia autorizada, com o silêncio de José e de tantos outros, a defender o tema dentro da empresa.


Quando José também saiu da empresa para abrir um negócio próprio, Rosa voltou a se comunicar com ele. Escreveu um cartão em que pedia desculpas por não aceitar José como era, que deveria entender que tinha razões próprias para não tratar de seu casamento na empresa ou com os amigos. Ela defendia muito a liberdade das pessoas, brigava com as colegas que criticavam as mulheres que optavam por não trabalhar e cuidar da família, mas não tinha conseguido entender o silêncio de José. Ele, mesmo sabendo que ela não aceitava sua escolha de “viver no armário”, disse que não tinha nada o que perdoar, que estava tudo bem. Seguiram adiante com raros contatos.

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