Por Letícia Sayuri Cofundadora da Rede Brasileira de Mulheres LBTQ+
Agosto é o Mês da Visibilidade Lésbica. Mas por que temos um mês apenas para essa discussão? Já não tivemos junho, o Mês do Orgulho LGBTQIA+? Para que mais uma data? Bem, eu vou te explicar o porquê. Tentarei, ao menos. Haja visto toda a complexidade de se discutir gênero e sexualidade.
“Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. A frase mais famosa de Simone de Beauvoir introduz uma longa discussão sobre o que é ser mulher, o que é o gênero, o que é o sexo e quais caminhos da libertação feminina. As características associadas à mulher e à imagem feminina não derivam dos nossos destinos biológicos. Elas derivam da cultura patriarcal. E essa reflexão é importante aqui porque é impossível falar de visibilidade lésbica sem discutir a opressão feminina.
As mulheres foram e continuam sendo sistematicamente invisibilizadas em uma sociedade composta por símbolos, códigos e linguagens masculinas. Essa invisibilização se reflete nas inúmeras violências que as mulheres sofrem, nas disparidades de direitos, na falta de representação em espaços de poder.
Lembre-se, no Brasil, o direito ao voto feminino foi conquistado a menos de 100 anos. As mulheres ocupam menos de 13% nos cargos na política e menos de 14% dos cargos executivos das 500 maiores empresas do país. A imagem de poder sempre foi masculina - e não apenas masculina, mas também branca, heterosexual, cisgênera e sem deficiência.
Monique Wittig, escritora e feminista francesa, afirmou que “lésbicas não são mulheres”.
O que Wittig diz não está relacionado ao nosso sexo - mas sim a reflexão de que o gênero é uma construção social patriarcal. Nós “renunciamos” a necessidade do poder do homem no âmbito pessoal, emocional, físico e econômico. Subvertemos o papel da mulher e da binariedade dos gêneros. Tal subversão, no entanto, nos gera uma ausência de identidade reconhecida socialmente. Lésbicas não cumprem o papel esperado da mulher nas instituições: a relação de dependência social com o homem, a maternidade compulsória, a família nuclear. Porém negar-se a ser uma mulher (e cumprir toda a construção social deste gênero), também não significa ter que ser um homem.
Chegamos, então, no principal cerne da invisibilização das lésbicas. Não desempenhamos o que é esperado da mulher na sociedade. Logo, no patriarcado, não temos nossa existência reconhecida. Estamos à margem da existência. Estamos no limiar entre o machismo e a lesbofobia.
Como resposta à marginalização, os primeiros movimentos de visibilidade lésbica no Brasil surgiram entre as décadas de 70 e 80. Reivindicando o espaço e se dissociando das pautas feministas e dos homens gays, surge o GALF (Grupo de Ação Lésbico-Feminista) criador o boletim ChanacomChana (1981-7). A publicação era distribuída no Ferro’s Bar, famoso na cena lésbica em São Paulo. Em 1983, o proprietário do bar proibiu a venda do material no espaço. As integrantes do grupo ocuparam espaço e, juntamente com figuras políticas, leram manifesto contra a repressão e pelos direitos das mulheres lésbicas. O ato foi a primeira manifestação lésbica brasileira e se tornou um marco histórico no movimento LGBTQIA+ e feminista, tornando-se o Dia Nacional do Orgulho Lésbico. Em 29 de agosto de 1996, foi realizado o primeiro SENALE (Seminário Nacional de Lésbicas), protagonizado por lésbicas negras. Esta data ficou estabelecida como o Dia da Visibilidade Lésbica.
Hoje, vivemos em plena quarta onda do feminismo. A popularização e pulverização dos conceitos de igualdade de gênero nos gera mais visibilidade, e ocupamos mais espaços para expor e enfrentar as violências do machismo e da lesbofobia.
O ativismo nos anos 2020 dá a oportunidade, como nunca tivemos, de exaltar a nossa sapatonice, de nos conectar e de visibilizar as mulheres lésbicas. São inúmeros coletivos e iniciativas que exaltam a cultura lésbica do orgulho.
Não obstante, ainda é notório a solidão da mulher lésbica. Não há referências suficientes e diversas de mulheres lésbicas. Claro, é Impossível resumir o que é ser uma mulher lésbica. Somos mulheres negras, indígenas, transgênero, cisgênero, gordas, magras, mães, jovens, idosas.
Nesse contexto, nasce a Rede Brasileira de Mulheres Lésbicas, Bissexuais, Transgênero e Queer. Trabalhamos para acelerar o desenvolvimento profissional, o ingresso no mercado de trabalho e a ocupação de cargos de liderança das mulheres LBTQ+, assim como aumentar a nossa representatividade política e a visibilidade acadêmica e midiática, sempre com uma visão interseccional de raça e classe.
Nosso trabalho é construído de forma coletiva. Por meio de interações nas redes sociais, inserção de pautas em veículos da mídia, participação em congressos e painéis, apoio e suporte emocional e profissional entre nossas integrantes, nós influenciamos e apoiamos pessoas e organizações na valorização e promoção da diversidade e inclusão. Lutamos para construir espaços sociais e profissionais seguros e igualitários, em que onde as pessoas tenham a liberdade de serem quem realmente são.
Reconhecemos os avanços das Mulheres Lésbicas ao longo das décadas de luta. Mas, enquanto ainda for preciso um dia para lembrar da visibilidade lésbica, estaremos aqui. Dando voz, espaço e luz para nossas mulheres.
Rede Brasileira de Mulheres LBTQ+
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